Proteína...devo suplementar? (parte 1)

Este não é um tópico a ser tomado de ânimo leve, estamos a falar do suplemento mais vendido, mais publicitado e o mais enraizado na cultura da musculação.
Isolada, concentrada, hidrolisada, whey, caseína, é quase preciso uma licenciatura para entrar numa loja de suplementos e saber que proteína devemos comprar.
As questões que queremos ver ser respondidas são:
  • Que tipo de proteína devo comprar? (Qualidade), 
  • Em que altura do dia devo tomar? (Timing), 
  • Quanta proteína devo tomar? (Quantidade). 
Mas vamos começar do início...
A proteína encontra-se nos alimentos, concentrada na carne, peixe e ovos, mas também no leite, frutos secos, sementes, cereais e leguminosas. Após uma refeição onde figurem estes alimentos, a proteína é absorvida no intestino delgado e decomposta em aminoácidos.
Algumas das funções da proteína:
  • Fornecer e servir de bloco construtor e matéria prima para os nossos tecidos, 
  • Sinalizar a construção de tecidos, enzimas e hormonas, 
  • Transportar moléculas, 
  • Formar anticorpos para combater as bactérias e vírus, 
  • Compor as nucleoproteínas (RNA e DNA) e transportar oxigénio, 
  • Entre muitas outras... 
Existem 20 aminoácidos, dos quais 8 ou 9 são essenciais (dependendo da opinião), quer isto dizer que o corpo não os produz, e daí ter que os obter através da alimentação.
Após a sua decomposição, os aminoácidos viajam na corrente sanguínea até ao fígado, onde seguem uma de duas vias:
  • Via anabólica ou síntese, onde podem ser reconvertidos em proteína ou enviados para outros órgãos para estes os reconverterem de volta em proteína (síntese de proteínas celulares e extra-celulares). Podem ser usados também para construir enzimas e outras substâncias, neste processo de construção gasta-se energia. 
  • Via catabólica ou degradação, onde podem ser transformados em glucose ou ácidos gordos para serem usados ou armazenados sobre a forma de glicogénio e triglicerídeos (reservas de energia). Neste processo de decomposição dos aminoácidos em moléculas mais pequenas cria-se energia que pode ser usada ou armazenada.
Quem estiver interessado em aprofundar melhor este assunto pode fazê-lo aqui.
Vamos dar um exemplo:
  • Durante o treino físico e devido ao esforço intenso o corpo gasta energia, a qual vai buscar às reservas mais disponíveis (glicogénio acumulado nos músculos), 
  • Após estas se esgotarem, infelizmente não são as gorduras que são queimadas...são os aminoácidos que são chamados a sofrer este processo de degradação que vai gerar energia para acabarmos o nosso treino, assim destruímos aminoácidos para criarmos energia... 
  • A seguir ao treino comemos e descansamos e é nesta altura que o corpo constrói proteínas a partir dos aminoácidos ingeridos. As proteínas, por sua vez, serão o tecido de construção do nosso músculo que foi fatigado pelo treino, que deverá ser reforçado para se adaptar ao esforço a que foi submetido,
  • Neste processo de construção, a que chamamos síntese proteica ou anabolismo, gastamos energia que em períodos de descanso é maioritariamente proveniente do tecido adiposo (queimamos gordura).
Surge então a questão:
Para quê ter o trabalho de decompor a proteína em aminoácidos se depois temos de ter o trabalho de a compor de novo em proteína? Porque a proteína que encontramos nos alimentos não é igual (em quantidades, proporções e combinações entre os aminoácidos) à que o corpo humano utiliza ou precisa.  Daqui resulta a divisão das proteínas em diversas categorias qualitativas. Existem vários métodos de classificação da qualidade de uma fonte proteica, que têm em conta vários factores.  
Entre os quais temos:
  • O valor biológico, que é a semelhança com a proteína que o nosso corpo produz (quanto mais parecidas maior o seu valor),
  • A sua composição, que se traduz nas quantidades totais de aminoácidos essenciais (AAE's) e a proporção entre estes (factores que influenciam a sua absorção), 
  • A sua digestibilidade, que é a quantidade de proteína absorvida pelo corpo em relação à quantidade que foi ingerida na refeição (quantidade real de proteína que foi absorvida), 
  • A capacidade de absorção dos aminoácidos nos tecidos corporais, 
  • A taxa de crescimento que elas induzem (avaliado em testes feitos a animais em crescimento),
  • Entre outras...
Entre os vários métodos de classificação temos:
Não vou especificar os vários métodos classificativos, cada um tem as suas vantagens e desvantagens. Uns têm em conta a digestibilidade da proteína, outros privilegiam o perfil dos aminoácidos, etc, etc...
No entanto muitos destes testes têm uma coisa em comum...calculam a quantidade de nitrogénio ingerida e expelida pelo corpo para concluir se a proteína foi aproveitada (se é de boa qualidade) ou não. 
E o que tem a ver o nitrogénio com a proteína?
A proteína é composta por cadeias de aminoácidos e os aminoácidos têm uma composição química onde figuram moléculas de nitrogénio. Após a digestão os aminoácidos chegam ao fígado (através da corrente sanguínea) e daí seguem uma de duas vias:
  • Anabolismo ou síntese 
  • Catabolismo ou degradação
Na via catabólica os aminoácidos são decompostos e as suas moléculas de nitrogénio são convertidas em amoníaco, que é tóxico para o nosso corpo (em grandes quantidades). O amoníaco é metabolizado e convertido num composto menos tóxico (como a ureia e o ácido úrico) que é expelido do organismo através da urina.

Quando expelimos mais nitrogénio do que aquele que ingerimos encontramo-nos num balanço de nitrogénio negativo: 
  • Perdemos massa muscular e isto pode ser indicativo de doença, febre, queimaduras ou lesão grave, hipertiroidismo ou jejum. 
Quando expelimos menos nitrogénio do que aquele que ingerimos encontramo-nos num balanço de nitrogénio positivo:
  • Isto é associado com crescimento (muscular e não só), hipotiroidismo, reparação de tecidos ou gravidez.
O objetivo de qualquer pessoa que ambicione saúde é obviamente manter um equilíbrio ou um balanço positivo de nitrogénio.
O segredo aqui parece ser então o descobrir a quantidade de proteína que cada pessoa deve ingerir, de forma a não consumirmos nem de menos (perdendo massa muscular e tonificação) e nem em excesso (acumulando energia sobre a forma de gordura e subindo o amoníaco para níveis tóxicos que o corpo não consegue expelir), ou seja, estarmos em equilíbrio ou balanço positivo sem ser excessivo.
Esta quantidade é individual e depende de vários factores, entre os quais:  
  • O metabolismo, pois pessoas diferentes aproveitam a proteína de maneira diferente...150g podem chegar para mim mas não serem suficientes para outra pessoa com diferente taxa de absorção e aproveitamento, 
  • A actividade física, pois maior actividade física, maior utilização de aminoácidos e maior necessidade de proteína, 
  • O peso e composição corporal, maior peso e massa muscular necessitam de mais proteína, 
  • O estado de saúde, pessoas doentes estão em estado catabólico, utilizam mais proteína, 
  • A idade, as crianças por estarem em crescimento têm necessidades especiais, idosos necessitam de menos proteína, 
  • A qualidade da proteína em si, se a proteína não contiver todos os aminoácidos essenciais ou em quantidades satisfatórias, mais proteína será necessária para satisfazer as necessidades, 
  • Ingestão diária de calorias, se comermos uma boa dose de carboidratos e gorduras nas refeições não necessitaremos de tanta proteína porque o corpo terá outros nutrientes para usar como fonte de energia. Se estivermos a fazer uma dieta para perder gordura, estaremos a reduzir a quantidade de comida, mais proteína será usada como energia, menos proteína sobra para manter a nossa massa muscular, mais iremos precisar para fazer face ao desequilíbrio, 
  • Entre outros... 
Não é fácil chegar a um consenso de montante óptimo de proteína a consumir, mas uma coisa é certa: quem pratica exercício com regularidade tem maior necessidade de consumir proteína do que quem leva uma vida sedentária.
Os testes e os estudos apontam para números diversos que variam entre os 0,8g por quilograma corporal, até às 2,5 gramas. Neste estudo que li (''Contemporary Issues in ProteinRequirements and Consumption for Resistance Trained Athletes''), o consenso é de que as pessoas com um estilo de vida sedentário precisam de consumir de 0,8 a 1,2g de proteína por quilo corporal e as que praticam desporto (seja força ou resistência) de 1,5 a 2,2g por quilo corporal.
Pondo estes valores numa tabela, temos:

Peso corporal

Vida sedentária (proteína)

Vida Ativa (proteína)

60kg

48 a 72g por dia

90 a 132g por dia

65kg

52 a 78g por dia

97,5 a 143g por dia

70kg

56 a 84g por dia

105 a 154g por dia

75kg

60 a 90g por dia

112,5 a 165g por dia

80kg

64 a 96g por dia

120 a 176g por dia

85kg

68 a 102g por dia

127,5 a 187g por dia

90kg

72 a 108g por dia

135 a 198g por dia

95kg

76 a 114g por dia

142,5 a 209g por dia

Vamos pegar numa pessoa ativa com os seus 85kg.
Será difícil chegar aos 187g de proteína por dia (limite máximo) sem suplementos?

Refeição

Proteína

Pequeno Almoço

Omelete (2 ovos, 50g brócolos, 50g queijo gordo)

32,5g

Meio da manhã

100g queijo fresco, 50g frutos secos

18,5g

Almoço

200g frango, 100g arroz integral, 100g lentilhas, 200g salada simples,

1 maçã

90,1g

Meio da tarde

100g iogurte, 50g sementes linhaça, 1 banana

22g

Jantar

280g sopa de vegetais

200g atum, 100g batata doce, 200g salada simples

69g

Total

232,1g

Como podem ver o objectivo é perfeitamente exequível, fruto de uma alimentação ligeira, sem exageros, dividida em 5 refeições com quantidades modestas, especialmente a meio da manhã e a meio da tarde.
Mas as pessoas alimentam-se assim, de maneira tão certinha e equilibrada?
Infelizmente não, nem sequer têm o conhecimento para elaborarem um plano nutricional que lhes dê exactamente o que precisam. No entanto, e para o fim a que nos propomos, fica aqui provado que não é difícil atingir o nível óptimo de proteína que os estudos exigem para uma pessoa que pratique desporto com frequência, sem suplementos.
Sem recorrer ao uso de suplementos não só atingimos o limite máximo como o ultrapassamos em mais de 40g (232,1-187 = 45,1g), mas isto não é surpresa, é óbvio que as empresas de suplementos preferem vender baldes coloridos com nomes técnicos complicados do que nos incentivar a ter uma alimentação saudável e equilibrada e esta conclusão acaba por não nos trazer nada de novo, pois muito antes destes baldes e embalagens coloridas já existiam atletas fortes e musculados.
Somos o que comemos, o Vince dizia que o nosso corpo é 90% alimentação e eu concordo com ele (se excluirmos o descanso da equação). Contudo, apesar de não ser absolutamente necessário suplementar proteína e de nada substituir uma boa alimentação, temos de nos perguntar:
Haverá vantagem em suplementar proteína?  
E aqui as coisas mudam de figura...alguém pode negar que este pó que vem nos baldes coloridos é extremamente prático? Quem tem tempo ou paciência para mastigar um bife imediatamente a seguir ao treino?
Quando não temos tempo para cozinhar uma refeição, ou porque fomos apanhados desprevenidos, porque adormecemos, etc, não é prático fazer um batido e bebê-lo pelo caminho?
Quando queremos emagrecer (perder gordura e manter a nossa massa muscular), recorrendo apenas à proteína como refeição, não se torna prático fazer um batido com água sem os carboidratos e gorduras extras que os alimentos nos iriam dar?
E quando vamos de viagem e não sabemos que tipo de alimentos vamos encontrar no caminho, ou noutra cidade ou país, não é sábio levar um pouco do nosso pó mágico para evitar surpresas desagradáveis? Homem prevenido vale por dois...
Entre outros motivos, estas são algumas das razões que podem justificar suplementar proteína.
Na continuação do post veremos: 
  • Quais as diferentes proteínas que o mercado de suplementos hoje nos oferece,  
  • A que altura do dia é mais importante tomar este suplemento,  
  • Qual a quantidade óptima para podermos garantir um balanço de nitrogénio positivo.