Lípidos, gorduras e colesterol (parte 3)

Terceira e última parte deste post:
A primeira parte pode ser lida aqui...e a segunda aqui... 
Vimos que os lípidos são uma classe heterogénea de compostos entre os quais figuram: 
  • Os triglicerídeos também chamados de gordura,
  • O colesterol,  
  • Os fosfolípidos,  
  • E as lipoproteínas. 
Também vimos que:
  • Os triglicerídeos (a chamada gordura), da forma como se encontram na natureza, são alimentos saudáveis, mas quando expostos ao calor veem as suas propriedades serem alteradas e por este motivo, para cozinhar, deve-se preferir as saturadas ou monoinsaturadas em detrimento das polinsaturadas, 
  • Existem gorduras quimicamente alteradas para servir os interesses da indústria alimentar (as gorduras trans ou hidrogenadas) e estas são um não alimento de se evitar,  
  • O colesterol é produzido no corpo numa quantidade maior do que o ingerido (3x maior pelo menos) e desempenha funções importantíssimas ao nível de produção das hormonas sexuais, entre outras coisas,  
  • Os fosfolípidos têm propriedades importantes e necessárias na produção das lipoproteínas e são estas lipoproteínas quem transportam no sangue os restantes lípidos,  
  • Existem vários tipos de lipoproteínas e que dentro delas a apontada como precursora dos problemas cardiovasculares é a LDL,  
  • Existem vários tipos de LDL, as mais pequenas e densas são as mais suscetíveis de permear o endotélio e penetrar as paredes dos vasos sanguíneos onde são intercetadas pelos glóbulos brancos (macrófagos) que os tentam absorver e remover,  
  • as lipoproteínas HDL tentam remover estes restos que os glóbulos brancos deixam nas paredes das artérias, mas se o ritmo de acumulação for maior que o da remoção, dá-se um lento entupimento das artérias que com o tempo origina problemas cardiovasculares,  
  • O aumento da LDL que causa estes problemas não é causado pelo consumo do colesterol em si, mas está relacionado com vários factores como o consumo de alimentos processados contendo gorduras trans/hidrogenas (e açúcares simples sem valor nutritivo), assim como uma dieta rica em carboidratos de alta carga glicémica e um estilo de vida sedentário que promove o acumular/armazenar da glucose convertida em triglicerídeos.
Este assunto é extenso e não se cinge só às áreas da nutrição ou exercício, requer alguma compreensão mais técnica, o que pode ser desmotivante numa primeira abordagem. 
No entanto temas como este não podem ser tratados exclusivamente por uns poucos entendidos, estamos a falar da nossa saúde, das coisas que comemos no dia-a-dia e que são produzido pela nossa sociedade para nos dar de comer a nós e aos nossos filhos, é preciso haver um esforço para compreendermos o que nos está a deixar doentes e o que tem que mudar.
É imperativo que o conhecimento seja trazido na sua forma mais simples sem ser filtrado pelos interesses económicos que lucram como a nossa desinformação. Neste sentido vamos desmistificar alguns mitos criados por esta desinformação intencional.
A gordura saturada faz mal?
O colesterol encontra-se nos animais e as plantas contém fitoesterol, ao comermos carne animal ingerimos gordura maioritariamente saturada, algum colesterol e outros lípidos.
Nos anos 50 verificou-se que havia uma relação proporcional e direta do aumento de doenças cardiovasculares com a grande concentração das lipoproteínas LDL que transportam, entre outras coisas, o colesterol, pois foi este o composto encontrado nos sedimentos que entupiam os vasos sanguíneos.
A conclusão a que se chegou foi que se comermos alimentos ricos em colesterol iremos produzir muitas lipoproteínas LDL para o transportar e desta maneira aumentar o risco de permeabilização do endotélio, oxidação com os radicais livres, sedimentação e entupimento dos vasos sanguíneos, todo o processo descrito no post anterior. Como só os alimentos animais contêm colesterol, seguindo a anterior conclusão, a gordura saturada (maioritariamente encontrada em animais) seria então prejudicial à nossa saúde, porque juntamente com ela iremos absorver colesterol.
Como já vimos anteriormente o óleo de palma e o óleo de coco também são gorduras maioritariamente saturadas, mas por serem vegetais não contêm colesterol. Estas gorduras já não são consideradas prejudiciais (por não se associarem ao colesterol), mas, no entanto, também são saturadas...existe aqui um contrassenso!
A conclusão é que as gorduras saturadas (animais ou não), por si só, são tão ou mais saudáveis que as restantes e devido ao seu maior ponto de fusão não se alteram quando submetidas ao calor, o que as torna preferíveis para cozinhar. Se estas gorduras tiverem uma origem animal, então estaremos a ingerir colesterol ao mesmo tempo que as consumirmos e isso leva-nos ao próximo mito...
O colesterol é o culpado das doenças cardiovasculares?
A relação entre o aumento de doenças cardiovasculares e o aumento do número das lipoproteínas LDL que transportam (também) colesterol fez crescer este mito que tornou o colesterol um inimigo público. 
Alimentos saudáveis e desejáveis como os ovos, fonte de vitamina B12 e proteína de alto valor biológico passaram para a lista negra, mas agora sabemos melhor...estas lipoproteínas transportam não só o colesterol mas também outros lípidos, nomeadamente triglicerídeos (gorduras), que nos mostram um quadro maior.
Vejamos:
  • Não faz diferença comer muitos ou poucos alimentos que contenham colesterol, porque o corpo simplesmente produz muito mais (de 3 a 5 vezes mais) do que aquele que conseguimos comer, 
  • O colesterol dos alimentos é esterificado e por esse motivo não está nas preferências do nosso organismo...o nosso corpo quer e produz colesterol na sua forma livre (não esterificado),  
  • Desta produção resulta um mecanismo de compensação que se autorregula para não haver colesterol em excesso, 
  • Quando existe excesso a produção é interrompida.
No entanto, e apesar do mecanismo de autrregulação, a produção continua a ser excessiva, é aqui que entram os triglicerídeos. As lipoproteínas transportam os triglicerídeos (a chamada gordura) que passam pelos músculos e pelo tecido adiposo onde parte é absorvida (consoante as necessidades) e o remanescente prossegue viagem, terminando no fígado, que requisita mais colesterol para produzir lipoproteínas (neste caso as VLDL) que iniciam nova viagem para despachar estes triglicerídeos em excesso:
  • Após algumas voltas e transformações as VLDL vão originar as LDL suscetíveis de serem oxidadas pelos radicais livres e entupirem os nossos vasos sanguíneos, 
Os verdadeiros culpados são os níveis excessivos de triglicerídeos, o colesterol serve apenas de intermediário para os transportar.
Porque temos estes níveis excessivos de triglicerídeos?
  • Comemos demais, 
  • Levamos uma vida sedentária,  
  • A nossa comida é de má qualidade,  
  • A nossa dieta baseia-se em açúcares, gorduras trans, etc,
As gorduras vegetais são saudáveis e devem ser preferidas?
As gorduras vegetais são líquidas à temperatura ambiente (devido ao seu baixo ponto de fusão), talvez por isso tenhamos a ideia de que elas ‘’deslizam’’ no interior do nosso corpo mais fluidamente e não entopem as veias como as gorduras sólidas (saturadas). 
Mas uma coisa não tem nada a ver com a outra, é precisamente por elas serem líquidas que mais facilmente oxidam, ficam rançosas e causam malefícios na nossa saúde. 
Vamos separar estas gorduras vegetais insaturadas em monoinsaturadas, polinsaturadas e hidrogenadas/trans:
  • As monoinsaturadas, se forem extraídas por métodos físicos, sem reagentes químicos, processamentos térmicos ou refinamentos, podem ser consideradas saudáveis e usadas como tempero ou para cozinhar. Mas por serem dispendiosas (azeite virgem e de primeira prensagem) tendemos a não cozinhar com elas e só a usá-las para condimentar, 
  • Todos os óleos polinsaturados (e monoinsaturados de segundas prensagens) que usamos para cozinhar ou que foram usados noutros alimentos que comemos, já foram submetidos a processos que alteraram as suas propriedades. Desde o armazenamento, à extracção e ao posterior refinamento, estes óleos foram submetidos à acção de químicos solventes e de toda uma série de etapas (entre as quais branqueamento e deodorização) que altera o seu odor, cor, sabor e aparência. São uma má escolha para quem se preocupa com a sua saúde,  
  • As gorduras hidrogenadas/trans são o culminar dos processos químicos. De forma a aproveitar ao máximo as frutas de onde se colhem os óleos, utilizam-se toda a espécie de solventes químicos em sucessivas prensagens de onde resultam óleos altamente oxidados e rançosos (dai o extenso refinamento)...o passo seguinte é hidrogená-las e alterar as suas moléculas de forma a terem qualidades que as gorduras saturadas possuem. Este procedimento acrescenta valor monetário e rentabilidade a este subproduto que de natural já tem nada, criando-se assim uma gordura artificial sólida para se utilizar nas comidas que vão durar meses nas prateleiras de um supermercado próximo de nós. É juntar o útil ao agradável, pois além de baratas, são estáveis, conservam-se melhor, e são mais fáceis de transportar...mas as consequências são mortais a médio/longo prazo.
Conclusão, gorduras vegetais só mesmo a dos alimentos, óleos só de primeira prensagem como o azeite virgem, pois a saúde não tem preço. 
Uma dieta baixa em gordura é a mais saudável e indicada para baixar os níveis de colesterol (LDL )?
Se ao comermos gorduras animais (carne, peixe, ovos, leite e derivados) inevitavelmente ingerimos colesterol,  se as gorduras animais são maioritariamente saturadas, e se erradamente se concluí que o colesterol é o culpado pelo entupimento dos nossos vasos sanguíneos, então a próxima falsa conclusão é a de que se uma alimentação tiver pouca gordura (em especial a saturada), não correremos o risco de contrair doenças cardiovasculares. 
  • Mas uma dieta baixa em gorduras tem que ser alta em alguma coisa certo?
As dietas light são ricas em carboidratos entre os quais cereais (arroz, pães, massas) e as leguminosas (feijão, grão, etc). O problema é que os carboidratos (glucose no seu estado decomposto) que não são transformados em energia são convertidos pelo fígado (através da sinalização da hormona insulina e um complexo processo químico) em triglicerídeos (gordura).
Podemos não comer gordura mas isso não impede que a mesma circule no nosso organismo, consequência de uma dieta de carboidratos de alto índice glicémico.
Estes carboidratos convertidos em gordura irão sinalizar o corpo para produzir colesterol que servirá de matéria-prima para a construção de lipoproteínas para a transportar e tudo se repete aumentando o risco de contrair doenças cardiovasculares.
Resumindo:

  • Muita comida que excede as nossas necessidades energéticas leva a um acumular de triglicerídeos e de glucose que posteriormente será convertida em triglicerídeos, 
  • Os triglicerídeos em excesso irão aumentar o risco de obesidade, resistência à insulina e diabetes,  
  • Irão também provocar a produção de colesterol para o revestimento das lipoproteínas,  
  • Excesso de carboidratos de grande carga glicémica ou de açúcares simples estimulam a produção de insulina,  
  • A insulina por sua vez induz a atividade de uma enzima chamada HMG CoA reductase, responsável pelos primeiros passos na produção da molécula de colesterol no corpo. Maior produção (desta vez de forma indirecta) de colesterol para o revestimento das Lipoproteínas,   
  • A insulina reduz também as concentrações da enzima PCSK9, que é responsável pela degradação e remoção das lipoproteínas LDL da circulação sanguínea,  
  • A ingestão de gorduras vegetais polinsaturadas refinadas e oxidadas irão contribuir para um pior rácio Ómega-6/Ómega-3 que irá estimular os processos de inflamação, condição que agrava o entupimento que está na origem da arteriosclerose,  
  • Estes óleos polinsaturados estão também relacionadas com o aumento do número de lipoproteínas LDL, 
  • Ingestão de gorduras hidrogenadas/trans, que são um alimento alterado quimicamente e que o nosso corpo não processa (e embora o mecanismo não tenha sido compreendido na sua totalidade), estão relacionadas com o aumento das lipoproteínas LDL e células cancerígenas. 
Toda esta excessiva nutrição de pobre qualidade associada a uma vida sedentária tem como consequência uma pobre saúde sujeita às doenças causadas pelos processos inflamatórios.
Durante milhares de anos o Homem foi caçador-recoletor e nunca teve a incidência que hoje existe destas doenças correlacionadas com o colesterol. Povos como os Masai, Esquimós, e os Ameríndios que até o século XX se alimentavam quase exclusivamente de búfalo e gorduras animais estão entre os povos guerreiros mais atléticos da nossa história.
A falta de informação relevante e a falta de educação a nível dos hábitos alimentares (acidental ou deliberada) é injustificável e tem tido as suas consequências nos números crescentes da mortalidade associada a doenças cardiovasculares, cancros, etc.
Sabemos mais acerca de viagens no espaço do que sobre o nosso metabolismo, sabíamos e tínhamos melhores hábitos alimentares há 100 anos atrás quando não havia tecnologias de informação, mas isto não acontece por acaso, pois há toda uma indústria farmacêutica e alimentar a lucrar com a nossa desinformação e a nossa ignorância, e isso é abominável e criminoso.
Enquanto lemos isto estão a ser gastos milhares de dólares em pesquisas para desenvolver medicamentos que ajudam a diminuir os níveis de concentração das lipoproteínas LDL no nosso corpo (basta procurarem no google a palavra PCSK9drugs).
Eu pergunto:
  • Se esse dinheiro fosse investido em reeducação alimentar, 
  • Se os anúncios e propaganda enganosa acerca das comidas processadas fossem proibidos de passar nos meios de informação,  
  • Se as pessoas encorajadas a ter hábitos alimentares (e não só) saudáveis, 
Não teríamos melhores resultados?
Estará a indústria farmacêutica (de mãos dadas com a alimentar) deliberadamente a deixar-nos doentes e a vender-nos lixo para comer, para depois nos venderem drogas para nos curar?
Supermercados cheios de produtos processados, refinados, conservados, preservados, hidrogenados, açucarados, aromatizados, corantizados, que se sentam prontos a durar anos nas prateleiras sem de depreciarem...comida a durar anos...chamamos a isto comida?
Criou-se um bode expiatório, durante anos chamou-se colesterol.