Radicais livres e antioxidantes...mas isto é o quê mesmo?

No Post ''Lípidos, gorduras e colesterol (parte 2)'' escrevi:
''Assim que este autocarro mais pequeno atravessa o endótelio, entra em contacto com radicais livres e sofre um processo de oxidação,''
Referia-me ao processo de oxidação das lipoproteínas por parte dos radicais livres que culmina na formação de ateromas nas paredes dos vasos sanguíneos e consequentes problemas cardiovasculares.
  • Mas afinal o que são radicais livres? 
  • E porque se fala tanto neles?
Os radicais livres e os oxidantes têm um papel importante no nosso organismo, mas também podem ser prejudiciais, consoante a sua concentração.
Quando os radicais livres se concentram ao ponto de o corpo não os conseguir eliminar e repor o equilíbrio gera-se um fenómeno chamado de stress oxidativo.
Este desequilíbrio dá-se quando os sistemas biológicos que removem ou reparam os danos causados (desintoxicação) pelas espécies reactivas ao oxigénio não conseguem dar conta do recado.
Este processo tem a sua influência no desenvolvimento de doenças crónicas e degenerativas como o cancro, as cataratas, artrite reumatóide, doenças auto-imunes, cardiovasculares e neuro degenerativas...
Os responsáveis por grande parte da mortandade do primeiro mundo actual, não é?
Para percebermos como o corpo produz radicais livres e qual a sua função temos de falar de oxigénio:
  1. O oxigénio é um elemento indispensável à vida. As células utilizam o oxigénio para gerar energia e os radicais livres são criados na sequência de produção de ATP (molécula de energia) pela mitocôndria, 
  2. Estes sub-produtos são as chamadas espécies reactivas de oxigénio (ROS) e espécies reactivas de nitrogénio (RNS), que resultam das reacções designadas de ''óxido-redução das células'', 
  3. Uma molécula que possui um electrão desemparelhado numa orbital externa é chamada de radical livre, 
  4. Esta molécula após a quebra de um elo químico fica apenas com um electrão, tornando-se altamente instável e livre para reagir com várias substâncias orgânicas como os lípidos, proteínas, o próprio ADN, entre outras, 
  5. Estas espécies podem ter um papel tóxico ou benéfico, encontrando-se num equilíbrio delicado.
Estes radicais podem ter uma origem:
  • Endógena - inflamação, stress mental, excesso de exercício, infecções, cancro, envelhecimento, etc, 
  • Exógena - fumo do tabaco, álcool, contacto com poluição do ar/água, metais pesados, algumas drogas, solventes industriais, cozinhar com óleos oxidados, radiação, etc.
Efeitos benéficos:
  • Estão envolvidos no processo de maturação da estrutura das células e podem agir como armas no sistema defensivo, sendo vitais para a nossa saúde em concentrações moderadas.
Efeitos nocivos:
  • Quando produzidos (ou absorvidos exogenamente) em excesso geram o stress oxidativo que altera as membranas celulares e outras estruturas como proteínas, lípidos, lipoproteínas e o próprio ADN, 
  • Isto acontece quando as células não conseguem destruir a formação excessiva de radicais livres, resultando num desequilíbrio entre a sua formação e neutralização. 
  • Quando não regulado o stress oxidativo pode induzir várias patologias, doenças crónicas e degenerativas, bem como acelerar o envelhecimento.
Algumas patologias que envolvem a acção destes compostos:
  • Cancro, a sua iniciação e crescimento estão associados a danos na estruturação do ADN, interferindo no normal crescimento das células, causando mutações e alterando a sua normal transcrição genética, 
  • Doenças cardiovasculares, estas são de origem variada, associadas a factores de risco que incluem a alimentação, diabetes, fumo do tabaco, sedentarismo, entre outros. O stress oxidativo não é uma causa primária destas doenças mas está envolvidos no processo de oxidação das substâncias (proteínas, lípidos, lipoproteínas, etc) que vão originar estes problemas, 
  • Doenças neurológicas, Alzheimer, Parkinson, esclerose múltipla, perda de memória, entre outras, não são causadas primariamente pelo stress oxidativo mas este desempenha um papel chave na progressão das mesmas, 
  • Artrite reumatoide, doença auto-imune que é caracterizada pela inflamação crónica das articulações e tecido conjuntivo e agravada pelo stress oxidativo, 
  • Envelhecimento, quanto maior o stress oxidativo, mais rápido o envelhecimento, 
  • Entre outras..
A teoria dos radicais livres tem mais de 50 anos mas só nos últimos 20 é que se tomou consciência do seu papel no desenvolvimento destas doenças e do efeito protector dos antioxidantes.
O corpo humano tem vários mecanismos que reagem a este stress oxidativo, entre eles a produção de antioxidantes ou o aproveitamento dos mesmos contidos nos alimentos. Estes funcionam como um exército que procura e remove os radicais livres, prevenindo ou reparando os seus danos, reforçando o sistema defensivo e baixando os riscos de contrair as doenças acima citadas.
Papel dos antioxidantes:
  • Neutralizar os radicais livres em excesso, 
  • Proteger as células dos seus efeitos tóxicos, 
  • Contribuir para a prevenção de doenças.
Os antioxidantes destroem os radicais livres ora prevenindo a sua formação ora parando o seu alastramento.
Quando isto acontece ele próprio torna-se oxidado e ineficiente, surgindo a necessidade constante de restaurar os recursos existentes no corpo.
No fundo os antioxidantes funcionam como estabilizadores destas moléculas de radicais livres através da doação de electrões.
Antioxidantes que podemos encontrar nos alimentos e que o corpo não produz:
  • Vitamina E, é lipossolúvel e protege as membranas celulares da acção dos radicais livres, nomeadamente da peroxidação lipidica. Acredita-se que ajuda na prevenção do cancro do cólon, próstata e peito, algumas doenças cardiovasculares, isquemia, cataratas, artrite e doenças neurológicas. Encontra-se no óleo de trigo (bem como de outros alimentos vegetais), nos cereais integrais, frutos secos, frutas, ovos e carne, 
  • Vitamina C, é hidrossolúvel e essencial na formação do colagénio, carnitina, entre outros. Funciona como anti-cancerígena, anti-aterogénico, no fundo tudo o que a Vitamina E também faz com a vantagem de as duas em conjunto terem um efeito sinérgico na busca de radicais livres, assim como na regeneração da própria Vitamina E depois de oxidada. As suas fontes são frutas ácidas, vegetais verdes e os tomates, 
  • Beta-caroteno, é lipossolúvel e convertível em Vitamina A e também retinol (essencial para a visão, daí a história das cenouras). Encontra-se nas frutas, cereais e vegetais, 
  • Licopeno, tal como os anteriores é altamente protector e possivelmente anti-cancerígeno, encontra-se nos tomates, 
  • Selénio, é um não metal que pode ser encontrado na água, vegetais, algas marinhas, carne e gema do ovo. Importante no funcionamento da tiróide, estudos indicam que pode ser anti-cancerígeno, 
  • Flavonoides, são polifenóis encontrados nas plantas com uma potente acção antioxidante, actuando na prevenção ou atraso de doenças degenerativas como do próprio processo de envelhecimento. As uvas, o cacau, frutos do bosque, chá verde e alguns vegetais são boas fontes deste composto, 
  • Ómega-3 e Omega-6, são cadeias de ácidos gordos insaturados, tendo já sido analisados no Post ''Óleo de peixe / Ómega-3...sim ou sopas?'', onde vimos que os mesmo têm que coexistir num equilíbrio para usufruir dos seus efeitos benéficos na saúde, nomeadamente a redução dos processos de inflamação dos quais decorrem as doenças citadas neste texto.
Estes antioxidantes presentes nos alimentos e que não são produzidos pelo organismo (essenciais) podem também ser encontrados nos suplementos dietéticos.
No entanto, grande parte deles quando tomados numa dose elevada (a ser definida para cada um deles e consoante a pessoa que os tomar) podem ter efeitos nefastos na saúde e tornarem-se eles mesmo elementos oxidantes, contribuindo para o mal que era suposto combaterem
A sua suplementação suscita reservas e os seus efeitos a longo prazo não estão bem estudados. Tirando excepções clínicas, a sua toma deve ser moderada e cautelosa.
Em vez de comprarmos frascos com comprimidos coloridos, devemos nos esforçar por ter uma alimentação cuidada, variada e rica em vegetais, frutas e frutos secos, isso sim indicador de saúde e de antioxidantes que nunca estarão em excesso
Temos de perceber porque é que elementos como os radicais livres, que sempre existiram no corpo humano e que são necessários para a nossa boa saúde (nos níveis equilibrados), passaram  nos últimos 20 anos a ser o alvo de toda esta atenção geradora da venda de suplementos.  
O que mudou na nossa vida nos últimos 100 anos para estas doenças aumentarem tão drasticamente?
A poluição, o sedentarismo, os hábitos alimentares e a comida processada são as causas das nossas doenças...não os radicais livres. Não adianta tomar antioxidantes se não mudarmos o nosso estilo de vida e alimentação...gastar dinheiro em suplementos para dormirmos de consciência tranquila não é a solução.
Doenças cancerígenas sempre existiram mas não nestas proporções. Mudar hábitos alimentares, fazer desporto, reduzir a poluição, entre outras coisas diminuirá a probabilidade de as contrairmos, mas haverá sempre pessoas com hereditariedade genética para as contrair, não há como evitar...
Alguns dos textos que me serviram de apoio: